FLAMENGO/VASCO: O “CENTRÃO” DO FUTEBOL

Qualquer pessoa com um mínimo de discernimento não conseguirá, sob qualquer justificativa, aceitar a “sangria desatada” que foi o retorno do futebol no Rio de Janeiro em plena pandemia, quando o número de mortos já chega a 50 mil e o de infectados já ultrapassa a casa de 1 milhão. O campeonato paulista não reiniciou, assim como o mineiro, o gaúcho e demais campeonatos estaduais pelo Brasil afora. Mas um conluio trouxe o reinício do Estadual do Rio de Janeiro. E foi um conluio muito bem arquitetado, em uma aliança Crivella/Bolsonaro/FERJ/Flamengo/Vasco. Todos com seus interesses acima de tudo e a saúde pública abaixo de todos.

Primeiro o Bolsonaro. Desde o início da pandemia e, consequentemente, do isolamento social, que Bolsonaro já dizia que “o futebol não podia parar”. Não apenas para reativar um lado da economia, mas porque Bolsonaro, a exemplo de seu ídolo Médici, também gosta de externar seu populismo de extrema-direita indo a jogos de futebol. De preferência, do Flamengo. Com Crivella em baixa para se reeleger, o prefeito-pastor viu, no relaxamento das medidas de isolamento, uma chance de ter o apoio de Bolsonaro e seu eleitorado fascista na eleição deste ano. Então, Crivella mudou o discurso e editou novas regras de flexibilização colocando o retorno das atividades esportivas como uma das primeiras, desde que seguisse certos “protocolos”.

Em reunião com a Federação de Futebol, ávida para dar prosseguimento à disputa, foram estabelecidas as regras para o retorno. Sem a adesão de Fluminense e Botafogo, críticos do retorno do certame em plena pandemia. Mas a conversa já vinha de longe. Rodolfo Landim, presidente do Flamengo e Alexandre Campello, presidente do Vasco, já tinham ido a Brasília almoçar com Bolsonaro e chegaram a posar para fotos com o Presidente da República. Naquela ocasião, o acordo já era costurado.

Foi anunciado que os jogos que restam somente poderão ser realizados no Maracanã, em São Januário e no Engenhão. Já foi realizado também um jogo no Estádio Luso-Brasileiro, da Portuguesa, na Ilha do Governador. O que esses estádios possuem em comum? Todos localizam-se no município do Rio de Janeiro. Assim, não seria necessário submeter-se a protocolos ou restrições de outros municípios que também possuem equipes no campeonato, como Resende, Macaé, Cabo Frio, etc. É necessário esclarecer que grande parte (talvez a maior) dos torcedores de Flamengo e Vasco são contrários ao retorno nesse momento. As manifestações de repulsa ao reinício do campeonato são visíveis, tanto nas redes sociais como nas ruas quando, na última quinta-feira, enquanto Gabigol e companhia derrotavam o Bangu no Maracanã, torcedores de vários clubes, unidos, manifestavam-se nas imediações do estádio contra o retorno do campeonato. Enquanto os gols do Flamengo iam saindo, brasileiros agonizavam e morriam no hospital de campanha bem ali ao lado. Não há justificativa que sustente isso.

Estava tudo preparado na quinta-feira. Até a presença de Bolsonaro, em um estádio totalmente vazio, estava confirmada. Porém, a prisão do Queiroz, o “laranja” da família presidencial, mudou totalmente os planos de Bolsonaro e a tribuna de honra, que teria um lugar ocupado, ficou também zerada de público. Mas o presidente do Flamengo é um homem de negócios e, diante de uma medida que agradaria Bolsonaro, ele não levaria em conta outras coisas que não fossem os retornos. Retornos imediatos, diga-se. O Flamengo atuou como o “Centrão” do futebol, vendendo sua alma e colocando em plano secundário uma tragédia que o Brasil não vivia há mais de cem anos, assim como o Vasco. E a recompensa do clube da Gávea veio a jato. Em apenas um dia, Bolsonaro editou uma Medida Provisória que beneficia sobremaneira o Flamengo, estabelecendo mudanças nos direitos de transmissão dos jogos. O Flamengo, aliás, foi um dos grandes lobistas dessa Medida Provisória pela qual, por exemplo, o clube mandante poderá negociar diretamente os seus jogos sem a anuência do visitante. Mas outro presentão ainda foi dado ao Flamengo: um banco estatal do Distrito Federal irá patrociná-lo por três anos. O governo do Distrito Federal certamente sofreu influência de Bolsonaro, seu aliado, para liberar esse patrocínio. Mesmo porque ninguém poderá reclamar, visto que é o Distrito Federal patrocinando um clube do Rio. Se fosse o “governo federal”, seria um protecionismo muito evidente, escancarado. Mas Ibaneis é Bolsonaro e Bolsonaro é Ibaneis. A venda foi mesmo casada, e com grande benefício ao comprador.

Bem, e o presidente do Vasco? Esse nunca foi homem de negócios. Por isso, não entendemos o porquê de ele estar junto com o Flamengo nesse “Centrão” do futebol. Alexandre Campello é médico, aliás, um ortopedista muito bem conceituado na Ilha do Governador. Causa estranheza um médico ter a posição que o Campello está tendo. Seria ele um negacionista, da escola do Osmar Terra? Que motivo levaria Campello a chancelar esse absurdo? Não há o que justifique o retorno nesse momento. Ou o Vasco também terá a sua compensação? Tecnicamente, o Vasco já não almeja mais nada no Estadual. Sem contar que realizar jogos sem público é um buraco financeiro. Mas o Vasco, mesmo assim, resolveu participar do “Centrão” do futebol. A recompensa do Flamengo já chegou. Parece que a do Vasco está demorando um pouco. Ou será que, nesse enredo todo, o Vasco (leia-se: o senhor Campello) vai fazer o papel do “Queiroz”?

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