
Que o Brasil é um país conservador, isso eu já sei há muito tempo. Para ser mais preciso, cheguei a essa conclusão em 1977, quando, ainda com 17 anos, acompanhei a tramitação e a votação da Lei do Divórcio. Foi um “parto edipiano” para a lei para ser aprovada, tamanha a luta dos conservadores da época contra o projeto. Só para termos uma noção do que aquilo representou em 1977, a primeira proposta do divórcio havia sido apresentada ainda na Assembleia que faria a Constituição de 1891. Foram quase 90 anos! Assim, dizer que o conservadorismo se afirmou com o partido de Bolsonaro elegendo a maior bancada na Câmara, o maior número de senadores, além de governadores em primeiro turno, não significa apenas que o “conservadorismo” venceu. Noves foras, o Congresso brasileiro sempre foi conservador. As Assembleias Legislativas e a grande maioria dos governos estaduais e prefeituras, idem.
O Brasil que saiu das urnas ontem é muito mais que conservador. As urnas refletiram um Brasil obscurantista, fundamentalista, armamentista. Refletiram um Brasil hostil às instituições democráticas e às políticas de inclusão social. Quando vemos as eleições de Pazuello, Ricardo Salles, Damares Alves, Marcos Pontes, além de um punhado de muitos outros bolsonaristas-raiz, concluímos que não foi apenas o conservadorismo que venceu. Lamentavelmente, os brasileiros chancelaram nas urnas o desmatamento e a destruição ambiental de Salles; disseram sim à cloroquina; apoiaram o desmonte da pesquisa científica e das universidades públicas do país; apoiaram a negação da vacina e da ciência; apoiaram a condição de pária do Brasil nas relações internacionais; apoiaram a liberação das armas de maneira irracional; apoiaram a homofobia, a misoginia e o racismo; apoiaram o discurso de que a empregada doméstica não pode ir para a Disney e nem o filho do porteiro pode entrar na universidade. Tudo com a sacrossanta membrana de um “Deus” que está acima da todos. E apoiar todas essas pautas criminosas nada tem a ver com conservadorismo ou convicção ideológica. Há um exemplo de uma pessoa muito conhecida: Mandetta, o ex-ministro bolsonarista da Saúde, um cara conservador e de direita, mas que sempre esteve do lado da ciência no momento mais grave da pandemia, foi barrado no baile pelos “conservadores”.
Tudo ainda é muito recente e, como em toda segunda-feira de ressaca pós-eleitoral, ainda estamos tentando entender o que aconteceu neste 2 de outubro. Ainda é cedo para chegarmos a algumas conclusões. Mas a uma conclusão já podemos chegar: 2018 não foi um “acidente”. Hoje, eu refaço a minha tese de que em 2018 aconteceu uma “onda” ou “epidemia” fascista. Infelizmente, teremos que conviver com esta praga e ir buscando, com muita luta, os devidos “antídotos” ou “vacinas”. Porque, tal como a Covid-19, tudo nos leva a crer que o fascismo no Brasil já não é mais epidemia. Ontem, ficou provado que virou endemia.