
“A lei está correta, afinal a prisão antes da condenação deve ser medida excepcional. No caso concreto, nem o Tribunal, nem o juiz, nem o Ministério Público, nem a polícia se preocuparam em cumprir a lei. Agora, a crítica não pode cair nas costas do Marco Aurélio. Ele cumpriu a lei e foi corajoso, porque sabia o estrago que essa decisão faria e não se intimidou. Então primeiro o povo precisa entender que quem cometeu o erro e tornou a prisão ilegal foram as instâncias inferiores”. (Fernando Hideo, jurista, advogado e professor de Direito Penal da Escola Paulista de Direito).
Em 1992, um crime que chocou o Brasil ganhava destaque na mídia: o assassinato da atriz Daniela Perez. Lembro-me que, tempos depois, um juiz havia concedido um benefício para os assassinos da atriz e a televisão mostrava, em horário nobre, uma turba de manifestantes protestando na frente do Forum do Rio de Janeiro contra a decisão do magistrado. Na época, dizíamos que a manifestação até poderia ser justa e legítima, mas estava sendo feita no lugar errado. Porque juiz não faz a lei, ele só a aplica. Aquela manifestação de indignação deveria ser feita na porta do Congresso Nacional, pois foram os deputados e senadores que fizeram a lei que o juiz apenas aplicou.
Esse episódio me veio à memória depois da celeuma criada pela decisão do ministro do STF, Marco Aurélio Mello, por ter aplicado uma lei, que não foi feita por ele, para beneficiar o traficante André do Rap, determinando sua soltura. O juiz, que apenas cumpriu a lei, virou “bandido”, enquanto que, aqueles que fizeram a lei, juntamente com as instâncias que se omitiram no caso, estão sendo poupados, tanto pela mídia como pela opinião pública.
Marco Aurélio Mello teve como fulcro o artigo 316 do Código de Processo Penal ao conceder o habeas-corpus a um traficante considerado de altíssima periculosidade. Se “a lei é para todos” (frase antiga e manjada), então a lei é para o filhinho do papai, para o netinho da vovó, para o banqueiro, para o trabalhador, para os filhos do Presidente, para o traficante. Se há alguma exceção, então esta deve estar prevista na própria lei, o que não é o caso do artigo 316 do Código de Processo Penal.
O Código de Processo Penal, recentemente alterado com o tal “Pacote Anticrime” do ex-ministro Sérgio Moro, determina que, a cada 90 dias, a prisão preventiva deve ser justificada, para que possa ser renovada. Esse trecho, novidade na lei, foi aprovado pelo Congresso e sancionado por Jair Bolsonaro. Lembrando que, quando o Presidente da República sanciona uma lei, significa estar de acordo com ela. Acrescente-se a isso o fato de que cabe ao Ministério Público pedir a renovação da prisão preventiva, o que não aconteceu. E nem o juiz de instância inferior determinou a renovação da prisão do traficante. Então, o advogado do traficante, calcado exclusivamente na lei, pediu o habeas-corpus e o ministro Marco Aurélio Mello, calcado na mesma lei, o concedeu.
Certamente Marco Aurélio Mello sabia que viraria a “Geni da hora” ao aplicar pura e simplesmente a lei. Ele sabia também da fúria de viés “lavajatista” que enfrentaria (“prenda, ainda que seja fora da lei!”). Enquanto isso, os verdadeiros responsáveis, que são o Congresso (que fez a lei), Bolsonaro (que sancionou a lei), o Ministério Público (que não pediu a renovação da prisão) e o juiz de instância inferior (que não renovou a prisão), sequer são lembrados pela turba enfurecida, tanto da mídia como da opinião pública.
Então, só nos resta dizer: joga pedra na Geni! Joga pedra na Geni!