
“Querem levar no tapetão. Vamos precisar da ajuda de todo mundo nas ruas e nas redes.” (Guilherme Bolulos, sobre a retirada do ar de seu programa eleitoral, a pedido de Joice Hasselmann, em 9 de outubro de 2020).
A Justiça Eleitoral determinou, nessa sexta-feira, 9 de outubro, que a propaganda do candidato a prefeito de São Paulo, Guilherme Boulos, do PSOL, fosse tirada do ar. A decisão, do juiz Guilherme Silva e Souza, acatou um pedido feito pela bolsonarista arrependida, Joice Hasselmann, também candidata a prefeita, pelo PSL. Mas o que a ultra-direitista Joice Hasselmann alegou para pedir a retirada do ar da propaganda eleitoral de Boulos?
Bem, o candidato Boulos tem apenas 17 segundos de propaganda na TV e, logo no primeiro programa, ele trouxe um depoimento do ator Wagner Moura de apoio à sua candidatura. A repercussão foi gigantesca. Então, a coordenação da campanha de Joice Hasselmann, não querendo que a peça publicitária fosse exibida novamente, entrou na Justiça, alegando que, de acordo com a lei, o máximo que uma apoiador pode aparecer é 25% do total do tempo. Boulos tem 17 segundos. Mas Wagner Moura apareceu 16 segundos. Assim, de acordo com a lei, Wagner Moura só poderia aparecer 4,25 segundos, que corresponde a 25% do tempo total de 17 segundos. Escreveu o juiz Guilherme Silva e Souza em sua decisão:
“No caso em questão, a peça publicitária faz uso da presença de apoiador em aproximadamente a totalidade do tempo de exibição pertencente ao candidato, 16s do total de 17s, conforme mídia carreada aos autos pela representante, flagrante a violação à legislação eleitoral”.
Nos bancos das faculdades de Direito e nos ensinamentos de juristas e advogados, sempre se fala que um juiz deve aplicar a lei e o bom senso. O magistrado aplicou a lei. Mas, e o bom senso? Vejamos com um exemplo fora da política, vindo dos esportes.
A Lei Pelé fala sobre o tempo que uma emissora de TV pode exibir um espetáculo esportivo do qual não tenha o direito de transmissão. Trata-se da transmissão para fins jornalísticos. Qualquer emissora, mesmo que não tenha os direitos de transmissão, pode exibir flagrantes de um espetáculo esportivo, desde que não exceda 3% do total da duração do espetáculo. Abaixo, o que diz a Lei Pelé, em seu § 2, do artigo 42:
“A duração de todas as imagens do flagrante do espetáculo ou evento desportivo exibidas não poderá exceder 3% (três por cento) do total do tempo de espetáculo ou evento.”
Exemplifiquemos com um jogo de futebol, que tem a duração de 90 minutos. Assim, qualquer emissora pode exibir, para fins jornalísticos, 2,7 minutos de um jogo de futebol, que corresponde a 3% dos 90 minutos. Mas, e se fosse uma prova de 50 metros de nado livre? Uma prova de 50 metros de nado livre dura em torno de 20 segundos. Assim, pela lei, podem ser exibidos, para fim jornalísticos, 3% da competição, ou seja, 0,6 segundos. Deve dar apenas para ouvir o tiro de largada. E já pensaram numa prova de de atletismo de 100 metros rasos, que dura aproximadamente 10 segundos? Só poderiam ser transmitidos 0,3 segundos da prova. Será que daria para ouvir o tiro de largada? Fico pensando se esse mesmo juiz tivesse que julgar um pleito que envolvesse os 10 segundos da corrida de 100 metros e tivesse que conceder a uma emissora o direito de exibir apenas 0,3 segundos da competição.
Esses exemplos do esporte mostram onde as filigranas jurídicas podem chegar. Claro que, no caso da lei eleitoral, deveria haver um mínimo de tempo de aparição de apoiadores, exatamente pensando-se em candidatos com pouquíssimo tempo de propaganda. O juiz levou em conta o rigor da lei, mas deixou o bom senso de lado.
Guilherme Boulos, sem tempo de TV, sendo torpedeado pelas milícias digitais da extrema-direita e com parcos recursos de campanha, está com 12% da intenção de votos, segundo as primeiras pesquisas divulgadas. Já Joice Hasselmann tem 1 minuto e 4 segundos, muito mais recursos, mas patina com apenas 1% da preferência dos paulistanos.
Esse episódio até que é animador. Se com apenas 17 segundos de tempo de TV e já no primeiro dia de propaganda, Boulos está incomodando a turma da extrema-direita que foi infectada pelo bolsonarismo, então isso é um ótimo sinal. Sobra o rigor da lei e o apego às filigranas jurídicas. Falta, e muito, o bom senso. Mas que esses 17 segundos do Boulos já estão tirando o sono da direita, disso não resta dúvidas.