
Ele era apenas um desconhecido, filiado a um partido nanico e que, sem nenhuma dúvida, não passaria de um mero figurante na disputa pelo governo do Estado do Rio de Janeiro em 2018. Seu nome: Wilson Witzel. Nas pesquisas eleitorais, ele não saía do traço. Porém, depois de juntar-se a Flávio Bolsonaro, acabou eleito na onda fascista que varreu o país naquele ano.
O Estado do Rio de Janeiro estava em frangalhos: em regime de recuperação fiscal, sem investimentos, mergulhado na corrupção, com ex-governadores bandidos presos. Mas Witzel era diferente: ex-juiz, “moralista”, vindo de fora da política: era o outsider ideal para “varrer a corrupção” do Rio de Janeiro. De mero desconhecido e figurante, tornou-se o maior fenômeno eleitoral dos últimos tempos: foi eleito na aba do bolsonarismo. Para assanhar as hordas bolsonaristas, transformou-se no “Rambo” que ia “dar tiro na cabecinha”. Se bem que esse “Rambo” era um tanto frouxo, pois bandidos já o haviam colocado para correr do Espírito Santo.
Mas já durante a campanha ele dava claros sinais de que não enganava a ninguém: quando, em um debate, o seu adversário Romário o perguntou se conhecia Mário Peixoto, Witzel corou. Mário Peixoto, hoje preso, era o empresário corrupto sócio de Cabral, Pezão e de outros bandidos públicos. E Witzel o conhecia muito bem. Em outro exemplo, um vídeo que viralizou mostrava Witzel ensinando aos juízes uma “manobra” que ele já praticava na qual, driblando a Justiça, ele ganhava mais um dinheirinho: o truque era forçar a licença do juiz-substituto. Tudo filmado e com áudio. Witzel já mostrava quem verdadeiramente era. Caiu na esparrela quem quis.
Mas logo em sua posse, Witzel mostrou ser excêntrico e egocêntrico. Inventou para si próprio uma “faixa de governador”, coisa que jamais existiu. Envergar aquela faixa que ele próprio inventou para si já era um sinal que o levou a cair em sua primeira desgraça: ele sonhava com o Planalto e isso Bolsonaro jamais admitiria. Perdeu o apoio do clã miliciano, o que se tornaria mais evidente na pandemia. Bolsonaro, em seu “altíssimo nível” que o caracteriza, chegou a chamá-lo de “estrume”.
E foi na pandemia que ele mostrou realmente quem era. E quem foi que disse que outsider de extrema-direita combate a corrupção? Montando uma verdadeira quadrilha dentro da Secretaria de Saúde, sua necropolítica não se restringiu a matar crianças negras de comunidades. A necropolítica da corrupção chegou aos hospitais, mas os respiradores e demais equipamentos para combater o coronavírus jamais chegaram. O escritório de sua mulher transformou-se em uma lavanderia da quadrilha que, segundo o Ministério Público, ele liderava. Logo veio o pedido de impeachment. Nesse ínterim, o Superior Tribunal de Justiça o afastou do cargo pela roubalheira que redundou em milhares de mortes. E ontem, com “69 tiros na cabecinha”, o “Rambo” praticamente deu adeus à sua meteórica, corrupta e assassina carreira política. A faixa que ele inventou para si próprio não foi a única façanha singular. Ele acaba de ser o primeiro governador da história do Estado a ter o pedido de processo de impeachment aceito. Em outro feito inacreditável, os “69 tiros” desferidos sobre o “Rambo” uniram os “fuzis” de bolsonaristas, centristas e esquerdistas. Do PSOL ao PSL.
Ontem o “Rambo” pipocou mais uma vez. Prometeu ir à ALERJ para se defender, mas preferiu falar do “geladão” do palácio que ainda, de maneira sem-vergonha, ocupa às nossas custas. Invocou Tiradentes e até Jesus Cristo. Mas seu castelo de areia já tinha, há muito, se esfarelado.
Witzel foi capaz de tudo quando entregou-se ao bolsonarismo. Participou até da deprimente cerimônia com dois fascistas (hoje deputados) que quebraram uma placa em homenagem à vereadora Marielle Franco, brutalmente assassinada. Dali para dizer que daria “tiro na cabecinha” não faltava mais nada.
Ficam as lições: quem foi que disse que a extrema-direita combate a corrupção? Quem foi que disse que “outsiders moralistas” vão acabar com a roubalheira? Quem foi que disse que ex-juízes (cuidado!) vão acabar com as quadrilhas que saqueiam os cofres públicos e matam a população?
Ontem, os 69 tiros ainda não derrubaram em definitivo o “Rambo”. Falta o julgamento final pelo tribunal formado por 5 deputados estaduais e 5 desembargadores. Depois, que esse ladravaz tome o caminho da cadeia.