
“O Exército está se associando a esse genocídio.” (Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal).
Hoje, dia 15 de julho, completam-se dois meses que o Ministério da Saúde está sob intervenção militar. Em 15 de maio Nélson Teich, que não aceitou atuar como um “cartório” dos desatinos de Bolsonaro, pedia demissão. O mesmo já tinha feito Luiz Henrique Mandetta, que também não admitiu ser peça decorativa e um mero joguete apenas para chancelar os devaneios negacionistas de Jair Bolsonaro. Foi então que, em plena pandemia e com o número de casos e de óbitos em franco crescimento, que Bolsonaro decidiu convocar para ministro da Saúde o general da ativa Eduardo Pazuello. “Missão dada, missão cumprida?” Não general, não tem essa. Até porque esse argumento de “missão dada, missão cumprida” no meio militar serviu como pretexto para justificar as maiores atrocidades durante a ditadura. Mas isso já é outro assunto. Ao aceitar a “missão”, mesmo sem ser um especialista, não entender absolutamente nada de epidemia, medicina ou infectologia, Pazuello colocou não apenas as suas digitais, mas também as digitais do Exército Brasileiro no desgoverno diante da tragédia. Ah, mas o general entende de logística. E daí? Se um general não entender de logística, do quê ele vai entender?
A Forças Armadas em geral, e não apenas o Exército, têm missões importantes na pandemia, como a logística da qual o general é especialista. A distribuição de insumos em um país de dimensões continentais requer uma excelente logística. E isso as Forças Armadas já estão realizando. Porém, um general assumir o Ministério da Saúde e depois torná-lo militarizado, com a retirada sumária de quadros técnicos, e com o papel de ratificar e chancelar os delírios de um Presidente psicopata “são outros quinhentos”. Porque não foi só o general Pazuello que assumiu a Saúde no Brasil. Depois de aceitar a “missão”, o general Pazuello trocou 24 ocupantes técnicos do ministério, substituindo-os por militares. Enfim, o Ministério da Saúde foi totalmente militarizado. De lá para cá, a tragédia só aumentou, com o número de casos e óbitos por coronavírus crescendo exponencialmente.
Mas afinal, qual foi a “missão” aceita por Pazuello? Era fazer, sem questionar, as vontades de Bolsonaro. Era chancelar os seus delírios e, quiçá, seus crimes. Desde sempre Bolsonaro não só minimizou como negou a pandemia. E o que esperar de um “presidente” que fala “e daí?” para os mortos e diz que não é coveiro? Que entra na Justiça contra o uso de máscaras? Que, ao contrário da comunidade científica, é contra o isolamento social? Que provoca aglomerações, tenta ocultar os números da tragédia e ainda, de forma criminosa, receita ao vivo a cloroquina como um verdadeiro garoto-propaganda dos alquimistas do apocalipse?
Então, não resta dúvida de que o Exército, com um general da ativa e vários outros oficiais atuando no Ministério da Saúde, chancelando e respaldando essas atitudes criminosas, é sim co-responsável pela morte de milhares de pessoas. Nesse contexto, veio a fala de Gilmar Mendes, que foi incisivo ao declarar que “o Exército está se associando a esse genocídio”. Foi o suficiente para provocar a ira do alto oficialato das três forças, que já querem enquadrar o Gilmar Mendes na Lei de Segurança Nacional. Gilmar Mendes expôs a ferida em suas entranhas e os militares sentiram o tranco. Como diz um velho ditado, “a verdade dói”. Bolsonaro está conseguindo o que ninguém esperava. É fato que as Forças Armadas já tinham recuperado a credibilidade depois de 21 anos de ditadura. Mas Bolsonaro faz questão de denegri-las, como já as denegriu, a ponto de ter que sair do Exército pelo esgoto. E agora, valendo-se da militarização de seu governo como um todo, e não apenas da Saúde, por diversas vezes ameaçou a ordem democrática querendo garantir-se da presença de militares da ativa em seu governo. Não adianta processar o Gilmar Mendes e continuar submetendo-se aos caprichos paranoicos de Bolsonaro. O Exército é do Estado Brasileiro, mas infelizmente está se deixando usar de forma doentiamente política e temerária. E se o processo contra Gilmar Mendes evoluir, tememos que um vaticínio de um outro general, o Augusto Heleno, discípulo de Sílvio Frota, se realize. E tudo o que o Brasil não precisa nesse momento, embora seja o que Bolsonaro mais queira, é de um episódio que traga consequências imprevisíveis.