
Terminou ontem a passagem meteórica, confusa e, principalmente, triste, do professor Carlos Alberto Decotelli pelo cargo de ministro da Educação. Ele “foi mas não foi”. Sua nomeação foi publicada no Diário Oficial, mas ele não chegou a tomar posse. Depois das “inconsistências” (leia-se: mentiras) detectadas em seu currículo, visto que não possuía doutorado e, consequentemente, também não possuía pós-doutorado, a posse foi cancelada e, finalmente, ele acabou sendo demitido. O desgaste foi fortíssimo e a impressão que se tem é a de que Decotelli sai pessoalmente muito mais ferido desse episódio rocambolesco do que o próprio governo.
Não conseguimos entender certas presunções. Para ser ministro de Estado da Educação, como de qualquer outra pasta, não é preciso ter mestrado, doutorado ou pós-doutorado. Se um professor, que fez cursos no exterior, iria ocupar a pasta da Educação, por que mentir de forma absolutamente desnecessária? Decotelli foi, a nosso ver, de uma ingenuidade colossal, até porque recaiu efetivamente sobre ele o maior desgaste. Se bem que também não podemos deixar de perguntar o que é que o tal “serviço particular de informações”, que o Bolsonaro confessou possuir na reunião dos aloprados do dia 22 de abril, tem de tão bom que não verificou a efetiva formação de Decotelli antes de anunciá-lo e nomeá-lo ministro.
Mas o caso de Decotelli não foi o primeiro no governo Bolsonaro. A “ministra fundamentalista da goiabeira”, Damares Alves, chegou a declarar ser detentora dos títulos de “mestre” em Educação, Direito Constitucional e Direito de Família. Tudo mentira. Quando questionada sobre seus títulos, Damares apenas afirmou que em sua igreja, “mestre” é todo aquele que se dedica ao ensino da Bíblia. A mentira não levou-a ao mesmo destino do Decotelli e a fundamentalista continua ministra.
Outro caso foi o do “ministro passador da boiada”, Ricardo Salles. Ele havia publicado um perfil onde afirmava ter estudado em Yale, nos Estados Unidos. Mas também era mentira. Para alegria dos ruralistas, Ricardo Salles, como ele também confessou na reunião de 22 de abril, continua “passando a boiada” e depredando o meio ambiente. A mentira de Salles jamais ameaçou o seu cargo de ministro.
Claro que o Decotelli errou. E errou desnecessariamente porque, repetimos, não precisa ninguém ser mestre, doutor ou pós-doutor para ser ministro de Estado. Se critérios técnico-acadêmicos ou mentiras, como vimos, fossem os balizadores desse governo e outros tivessem, por esses motivos, sido também demitidos, receberíamos com mais tranquilidade o destino do Decotelli. Mas não podemos descartar a influência que a cor de sua pele pode ter tido no desfecho do episódio. E isso, mesmo sendo Decotelli um bolsonarista, traz-nos um certo incômodo. Até porque há casos flagrantemente muito piores que vão além de outras mentiras, como o de um general-paraquedista no Ministério da Saúde, o de um destruidor da natureza no Ministério do Meio Ambiente e o de um anti-globalista no Ministério das Relações Exteriores.
Em alguns momentos ficamos nos perguntando até que ponto todo esse enredo pastelão não foi armado, só para fortalecer os olavistas, visto que Decotelli não é seguidor do guru. Claro que toda essa fritura do Decotelli assanhou os radicais olavistas, que no governo Bolsonaro querem ser os “donos” da Educação. Mas há um consolo para o Decotelli em toda esse episódio. Certamente ele foi o ministro da Educação, em toda história, a ficar menos tempo no cargo. Porém, de uma coisa ele pode ter certeza: em apenas uma semana como ministro, ele fez muito mais pela Educação do Brasil do que Abraham Weintraub em um ano e meio. E isso ele já pode até colocar no seu currículo, porque é a mais pura verdade.