
“Somos 70%”, “75% da população prefere a democracia”, “Frente em defesa da democracia”… Parece que os “Rubinhos Barrichellos” da democracia, com um atraso de dois anos, estão saindo dos armários, já um pouco mofados, e ainda exalando cheiros insuportáveis de “aécios” e “bolsonaros”. Poderíamos até perguntar onde eles estavam em 1964 e em 2016, mas vamos ficar apenas em 2018.
Não somos contra nenhuma frente antifascista e em defesa da democracia. A história mostra que, dentro e fora do Brasil, as frentes antifascistas sempre foram um modo de enfrentar e resistir ao fascismo. Porém, ao mesmo tempo em que não somos contra uma frente desse tipo, não podemos também admitir críticas de quem não tem absolutamente nenhuma moral para acusar de sectarismo quem, por algum motivo fundamentado, não veja razão para dela participar. A tal “frente” queria chamar até o Sérgio Moro. O PSOL participou. Mas o PT não quis participar do ato on line do dia 26. E, por isso, vem sendo acusado de “sectário”, de “se isolar”. Ou de querer ter o “protagonismo da oposição”. FHC, um dos golpistas de 2016, é um dos que, por exemplo, critica Lula por essa postura. Mas, como dissemos antes, falemos de 2018. Por acaso, alguém desconhecia Bolsonaro? Por tudo o que Bolsonaro pregava, praticava e defendia, desde a tortura, passando pela ditadura e o extermínio de opositores, alguém o identificava como representante da democracia? O racismo, a homofobia, a exaltação de um torturador assassino, o desprezo ao meio ambiente, às artes e à educação sempre foram as marcas registradas do fascismo bolsonarista. E, ainda assim, muitos dos que hoje se arvoram de ser os arautos da democracia, apoiaram e votaram em tudo isso.
Comecemos por FHC. Seu partido votou maciçamente em Bolsonaro e ele próprio diz ter ficado “neutro”. Por ação e omissão (muito mais por ação) os tucanos legitimaram a chegada da extrema-direita ao poder. No caso de FHC, a quem Bolsonaro disse que ia fuzilar, o ódio do cardeal tucano ao PT foi maior até mesmo do que o amor à sua própria vida. Afinal, o que leva alguém a deixar de votar em um opositor de quem disse que iria fuzilá-lo?
Em outros, faltou empenho. Os tais “apoios críticos”, como o de Marina Silva, não eram suficientes. Àquela altura o estrago já estava feito e uma mera declaração de “apoio crítico” sem entrar efetivamente “em campo”, em 2018 soava apenas como um pouquinho “menos ruim” do que a tal “neutralidade” de FHC. E seria bom até para a própria Marina, que já tinha maculado a sua biografia ao apoiar o Aécio em 2014. Se tivesse arregaçado as mangas e entrado na “frente antifascista” de 2018, poderia até ter parte de seu currículo político recuperado. Mas o ressentimento dela não permitiu. O problema dela com o PT vem de 2010, quando queria ser a candidata do partido. Mas o PT preferiu a Dilma. Em 2016 ela finalmente se vingou e acabou apoiando abertamente o vitorioso golpe contra Dilma, o embrião de tudo o que aí está e que ela diz, hoje, ser contra. Ressentida, vingativa e agora também oportunista, Marina fala em “frente pela democracia”, quando em 2018 ficou vendo a banda passar.
Ciro Gomes é outro ressentido. Ele queria ter o apoio do PT em 2018. Porém, não podendo lançar Lula, o PT optou pelo Haddad. E, assim que é anunciado o resultado do primeiro turno, Ciro vai para Paris tirar “férias”. Mas será que essas “férias” não podiam ser adiadas por duas ou três semanas, em nome do Brasil e da democracia?
Passados dois anos, só agora que os “Rubinhos Barrichellos” da democracia, com Luciano Huck à tiracolo, perceberam a ameça que Bolsonaro e aqueles que se empoderaram com sua ascensão representam. Quem apoiou Haddad em 2018, entrando efetivamente na luta contra o fascismo, como o PSOL e o PCdoB, por exemplo, têm todo o direito de fazer qualquer crítica ao PT por não estar na tal “frente”. Mas outros, que por ação ou omissão, acabaram legitimando a tragédia que aí está, antes de criticarem Lula ou o PT, devem fazer uma grande autocrítica pelas posições que tomaram em 2018. Do mesmo modo os veículos de comunicação (Globo, Folha, Estadão, Veja, só para citar alguns) que impulsionam essa tal “frente”, mas têm suas digitais na ascensão do fascismo, e acusam o PT de “isolamento” ou “sectarismo”, também devem, antes, refletir sobre o que fizeram e onde estiveram em 2018.
E se a “frente” for vencedora e Bolsonaro cair, quem será o verdadeiro vencedor? O governo bolsonarista, com seus ataques à democracia, seus crimes ambientais e seu anti-globalismo, vem afugentando investidores. Tá cheio de gente que, de repente, se descobriu “democrata” apenas por causa do “mercado”. Poderosos setores da elite que apoiaram o Bozo já perceberam a fria em que se meteram e agora querem descartá-lo apenas por seus interesses. E hoje, o mote para defender seus interesses atende pelo nome de “democracia”.
Giovanni Sartori, cientista político italiano, certa vez afirmou em uma de suas obras que “vivemos em um tempo de democracia confusa ou confusão democrática”. Basta ver quantos se apropriam do termo “democracia”, com os mais diversos interesses. “Democracia”, em certos contextos, pode até não significar nada, absolutamente nada, além do livre mercado, desmantelamento do Estado, venda do Brasil e ataque às conquistas sociais. Seria bom que, ao invés de se perguntar por que o PT está fora, alguns dos que lá estão respondessem, com sinceridade, por que estão dentro.