
O último domingo, dia 31 de maio, foi um domingo diferente. Há muito que os domingos eram marcados pela presença, nas ruas, de grupos fascistas apoiadores de Bolsonaro defendendo pautas anti-democráticas. Fechamento do Congresso e do STF, intervenção militar, agressão a juízes e membros do Legislativo. Desrespeitando os protocolos recomendados pela OMS e pelas autoridades sanitárias, o próprio Bolsonaro, que não governa o país, apenas o incendeia, convocava e estimulava as manifestações a seu favor. Os grupos oposicionistas, cumprindo as recomendações médico-sanitárias, ficavam em casa. Então, tudo levava a crer que, enquanto perdurasse a quarentena, as ruas seriam um monopólio dos fascistas em defesa de suas pautas que visam, violentando as instituições, impor um regime ditatorial no Brasil.
Porém, de forma até surpreendente, o último domingo foi diferente. Pela primeira vez, depois de muito tempo, os fascistas foram confrontados nas ruas. E, também de forma surpreendente, não foram partidos políticos, movimentos sociais ou entidades da sociedade civil em defesa da democracia que foram às ruas confrontar os extremistas de direita. No Rio de Janeiro e, principalmente, em São Paulo, torcidas organizadas de clubes de futebol, rivais em campo e nas arquibancadas, uniram-se para dizer “não” ao fascismo. Na Avenida Paulista, torcidas do Corínthians, Palmeiras e São Paulo levaram a mensagem antifascista e enfrentaram os fascistas pró-Bolsonaro. Trajando preto os antifascistas, em grande número, representavam a maior parte do povo brasileiro que opõe-se ao autoritarismo bolsonarista. “Antifascista” passou a ser a bandeira de muitos coletivos de torcidas organizadas, de diversos clubes brasileiros, numa reação às investidas de Bolsonaro e seus seguidores. No Rio de Janeiro, na praia de Copacabana, destacou-se a presença do grupo “Flamengo Antifascista”, que também enfrentou os fascistas. Nem a Avenida Paulista e nem a praia de Copacabana foram monopólios da extrema-direita.
Duas observações sobre os episódios do último domingo: primeiro, que o correto seria ninguém sair às ruas e que manifestações de ruas só ocorressem após a pandemia. Mas parece que as torcidas organizadas não suportaram mais tantas agressões e ameaças à democracia e seus grupos antifascistas resolveram enfrentar, além dos fascistas, os demais riscos.
A segunda observação é a constatação de um caso gravíssimo ocorrido na avenida Paulista, relatado unanimemente pela imprensa e por demais testemunhos, que foi a atuação nitidamente parcial da Polícia Militar que, conforme mostram fotos e imagens de TV, lançou bombas contra os antifascistas e protegeu e escoltou os fascistas. Lembrando que os fascistas portavam até bandeiras alusivas a movimentos nazistas e a Polícia nada fez. Ficou registrada a imagem de um policial protegendo uma mulher que portava um taco de beisebol. O que aquela insana bolsonarista faria com um taco de beisebol em uma manifestação? Claro que era uma arma branca. A parcialidade dos policiais, além de ser uma postura ilegal e perigosa, gerou muitas críticas. Todos os testemunhos vindos de São Paulo dão conta de que o rigor dos policiais com os antifascistas e a complacência com os fascistas chegava a ser descarada.
Todo policial tem o direito de ter sua posição política. Eles votam, podem se manifestar, podem ir a assembleias e muitos deles são candidatos e até são eleitos. Porém, no exercício de sua função, o policial não pode ter uma atuação política que, infelizmente, tudo leva a crer que foi o que aconteceu na avenida Paulista. Especialmente quando também sabemos que as corporações policiais são bases eleitorais bolsonaristas. A questão da conduta política de policiais deve ser apurada e isso não pode se repetir. Até porque, com as ruas não sendo mais monopólio dos fascistas, outros encontros não marcados deverão acontecer.