BOLSONARO E A LIÇÃO DE GALILEU

Compreendo perfeitamente como os médicos do Brasil estão se sentindo. Certamente eles sentem-se do mesmo modo como os historiadores sentiram-se quando Bolsonaro disse que “o nazismo é de esquerda” ou que “não houve ditadura militar no Brasil.” Os médicos brasileiros também sentem-se do mesmo modo que os educadores sentiram-se quando Bolsonaro chamou Paulo Freire de “energúmeno”. E o que dizer sobre o sentimento dos astrônomos a respeito da “Terra plana”, um dos dogmas bolsonaristas? Nos três casos de “emburrecimento oficial” devemos acreditar que a educação é o caminho para que um dia os seguidores de Bolsonaro finalmente aprendam, por exemplo, que os comunistas foram perseguidos por Hitler e que foi Exército Vermelho que, em 1945, derrotou o nazismo. Quanto à “Terra plana”, chega até a ser uma grande troça. Isso não muda nada. Sabemos que nosso planeta é esférico (senão não seria planeta) e que encontra-se impávido na terceira órbita do sistema solar. Mas talvez uma única lição venha lá do século XVII. Se essa gente entender apenas o que disse Galileu, cientista que foi igualmente confrontado pelas autoridades de sua época, já daríamos um grande passo (ou um “gigantesco salto para a humanidade”, com a devida vênia de Neil Armstrong). Dizia Galileu: “O fato de alguém ter o poder, não significa que tenha a razão.”

Agora, depois de historiadores, astrônomos e educadores, Bolsonaro está negando o que dizem os médicos. Aí já é diferente. Ao negar a necessidade do isolamento, proposto pela ciência em todo o mundo, já não estamos mais diante de uma troça do tipo terraplanista. A saúde pública está ameaçada. As vidas de milhares de pessoas estão ameaçadas. O maior problema, entretanto, não está em quem espalha as agressões à ciência. Está em quem acredita nelas. Hoje os médicos lutam, primeiro, contra a ignorância, que é a maior aliada do vírus. E a ignorância oficial está fazendo pessoas acreditarem que Bolsonaro está certo e os médicos, errados.

O ministro Mandetta admitiu ontem, em entrevista ao programa “Fantástico”, que “o povo não sabe a quem obedecer”: se aos médicos ou ao Presidente. Já dá para perceber que, depois de “historiador” e “astrônomo”, Bolsonaro também virou “médico” e “farmacêutico”? As mensagens conflitantes estão sim dividindo o país e, na contramão da ciência e do conhecimento médico mundial, Bolsonaro e seus seguidores inebriados querem levar o povo ao cadafalso. E isso nada tem a ver com ideologia. Lopez Obrador, o presidente do México, é de esquerda. Tal como Bolsonaro, ele era contra o isolamento. Mas, passado algum tempo, rendeu-se à ciência e à máxima de Galileu. Ele compreendeu que, quando o povo lhe deu o poder, não lhe outorgou a razão para tudo. O presidente mexicano, então, voltou atrás.

Exigir o uso da razão seria exigir demais para Bolsonaro e para os bolsonaristas. Menos mal que a razão não pode ser morta na fogueira. Nem por um tiro. A razão já foi vilipendiada e torturada em várias épocas da história e sempre saiu viva e até mais forte. Galileu que o diga. Mas o tempo urge. Força aos médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e a todos os demais trabalhadores da saúde. Feliz “século XVII” para vocês. A razão há de vencer o obscurantismo.

OBS.: Dedico este artigo de hoje à minha filha IANA PAES D’ASSUMPÇAO VITAL, fisioterapeuta trabalhando na “linha de frente” do atendimento às vítimas do coronavírus.

C