O Brasil vive uma ameaça real de golpe. Pior: dessa vez, a ameaça de golpe vem daqueles que estão no poder. Não se trata, portanto, de uma tentativa de golpe para tomar o poder, mas para institucionalizar uma ditadura com o fechamento do Congresso, do Supremo Tribunal Federal e com a revogação da Constituição promulgada de 1988. Os ensaios golpistas já vêm desde a posse de Bolsonaro. Falou-se em fechar o Supremo com “um cabo e um soldado”. Falou-se em uma reedição do AI-5. Mas as respostas foram imediatas. O Congresso, o Judiciário, os partidos e a sociedade civil repeliram os ensaios.
Agora, chegou o jogo. Já não é mais ensaio. O “foda-se” do general Heleno foi a senha para os fascistas que, sentindo-se empoderados, convocaram uma manifestação anti-Congresso e anti-STF para o próximo dia 15 de março. O Presidente da República, cometendo flagrantemente um crime de responsabilidade (ele já não liga mais para isso) repassou, em pleno Carnaval, a convocação para o ato que pretende violentar a Constituição e as instituições brasileiras. Sem nenhum constrangimento. Sem nenhum medo de ser punido conforme manda a lei. O crime de Bolsonaro é flagrante e agora, só agora, começa a assustar de fato aqueles “liberais moralistas incorruptíveis” que ajudaram a parir o monstro que hoje ameaça a nossa democracia. São os “Lacerdas” atuais que, arrependidos e, principalmente, escaldados, já entendem que deva ser formada uma frente ampla antes mesmo que o golpe se consolide. O “Lacerda original”, depois de 1964, pensou que as “marchas com Deus” fossem para ele. Não eram. O “Lacerda original” pensou que a histeria anticomunista fosse para ele. Também não era. O “Lacerda original” pensava que, apoiando o golpe de 1964 como apoiou, o regime seria liberal-democrático e ele poderia ser candidato a Presidente. Errou de novo. Porque o “Lacerda original” acabou tragado pelo próprio monstro que ajudou a parir, sendo cassado e alijado da vida política. Claro, depois de ter sido devidamente usado.
Hoje, diante da ameaça iminente de um golpe que pode instaurar uma ditadura no país, os “Lacerdas arrependidos” finalmente já admitem que a ficha caiu. “Dórias”, “Maias”, “Amoedos” e similares já viram a fria em que se meteram e meteram o país. Agora, eles se voltam contra o monstro que ajudaram a gerar. São os “Lacerdas arrependidos”. Hoje, tão escaldados como arrependidos porque já sabem, ao contrário do “Lacerda original”, que o triunfo de um golpe fascista não será a vitória deles. Aliás, como muitos dos que votaram em Bolsonaro.
O momento é de unir forças. A história mostra que a formação de “frentes amplas” sempre foi o antídoto contra o fascismo. As instituições têm a obrigação de se mostrarem fortes. O Congresso deve ser contundente e não há espaço para contemporizações. Bolsonaro ultrapassou todos os limites éticos, constitucionais, políticos e morais. O Supremo, alvo dos fascistas, também não pode deixar de se impor perante ameaça tão grave. Como, aliás, já deveria ter se imposto quando tiveram início os “ensaios” para o golpe. O que esperar de Toffoli e Fux, por exemplo? Quanto ao ministro da Justiça, que já ficou conhecido como “juiz ladrão” e “capanga de milicianos”, o seu silêncio perante a ameça às instituições e à Constituição também já nos permitem chamá-lo de “garoto de recado de golpistas”. Especialmente depois que ele disse que 147 assassinatos em cinco dias no Ceará não significa uma desordem.
Nesse momento não temos alternativa e, respondendo à jornalista Cynara Menezes, entre “lavar as mãos” e “lutar ao lado de quem patrocinou o golpe”, nem nos parece ser uma pergunta difícil de responder. Vamos tapar o nariz e juntarmo-nos aos “Lacerdas arrependidos”. Até porque, com o dólar chegando a 4,50, o caminho do aeroporto torna-se inviável.