O famoso doutor Samuel Spier deve estar à procura da família Bolsonaro para fazer uma oferta, talvez milionária, ao clã. Para quem não lembra, o doutor Spier vem a ser o protagonista de uma história contada pelo matemático Malba Tahan. Conhecido como “o colecionador de coincidências”, o doutor Spier saía pelo mundo atrás de coincidências notáveis, que fossem dignas de registro e ele até chegou a consultar um matemático para que fosse feita uma fórmula que pudesse atribuir valores numéricos às suas coincidências. Se estivesse na Bahia, no último domingo, o doutor Spier poderia presenciar a culminância de uma sucessão de eventos dignos de registros de coincidências notáveis para a sua coleção. Talvez ela viesse a ser a maior de sua coleção.
Evento 1: Adriano da Nóbrega, vulgo “Capitão Adriano”. Chefe da milícia em Rio das Pedras, bandido sanguinário, matador de aluguel, presidiu o grupo criminoso “Escritório do Crime”. Homenageado duas vezes por Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro sendo que, na segunda homenagem, o bandido recebeu, por iniciativa do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, a Medalha Tiradentes, que nada mais é do que a mais alta condecoração outorgada pelo Legislativo Estadual. “Capitão Adriano”, foragido, era um dos bandidos mais procurados do Brasil.
Evento 2: Como se não bastassem as homenagens, Flávio Bolsonaro ainda emprega a mãe e a mulher do bandido-miliciano em seu gabinete, na função de assessores parlamentares. “Capitão Adriano”, junto com outro miliciano conhecido e igualmente desaparecido, Fabrício Queiroz, seriam personagens-chaves na “rachadinha” que Flávio Bolsonaro praticava em seu gabinete, sendo que parte do que arrecadava, segundo as investigações, iam para o “Capitão Adriano” sustentar a milícia.
Evento 3: No último dia de janeiro, o ministro bolsonarista da Justiça Sérgio Moro divulga a lista dos bandidos mais procurados do país. Porém, a lista de Sérgio Moro omite o nome do “Capitão Adriano”, apesar de seus crimes e de sua conhecida periculosidade. A omissão do bandido íntimo da família Bolsonaro causou estranheza e, por vários dias, Moro calou-se em relação a essa inexplicável omissão. Claro que a inclusão do “Capitão Adriano” na lista poderia facilitar a sua captura e, uma vez preso, seus depoimentos poderiam enrolar de vez a já enrolada família Bolsonaro.
Evento 4: Assim como Fabrício Queiroz, o “Capitão Adriano” torna-se um fardo para a família Bolsonaro. Ah, se ele pudesse desaparecer!
Agora, as “coincidências”, dignas de registro do doutor Spier:
Primeira coincidência: O “Capitão Adriano” refugiou-se na Bahia. Acabou indo para um sítio abandonado no município de Esplanada, a 150 quilômetros de Salvador. Ele teria entrado no sítio vazio sem saber de quem era e ali ficou escondido. Porém, “coincidentemente”, o sítio pertencia a um vereador do PSL, chamado Gilsinho da Dedé, que afirmou que “não sabia” da presença do bandido ligado aos Bolsonaros em seu sítio. Que coincidência!
Segunda coincidência: Uma operação policial é feita até o tal sítio “abandonado” e o “Capitão Adriano”, é morto em “confronto”. Dezenas de policiais contra apenas uma pessoa. Precisava matar? Um cerco ao sítio, e não precisa nem ser policial para saber que o miliciano poderia ter sido pego com vida. Mas ele foi executado. Bingo para os Bolsonaros!
Terceira coincidência: No dia da execução do miliciano, na Bahia, Eduardo Bolsonaro, o outro filho de Bolsonaro, estava na… Bahia! Bingo para os Bolsonaros mais uma vez!
Quarta coincidência: Com o miliciano “Capitão Adriano” já devidamente “apagado”, o Procurador da República, Augusto Aras, aliado de Bolsonaro, aponta a morte do miliciano como um pretexto para federalizar o inquérito que apura os assassinatos de Marielle e Anderson Gomes, contrariando as próprias famílias das vítimas. Já pensaram se o inquérito for para as mãos de Sérgio Moro? Bingo para os Bolsonaros!
Claro que o doutor Samuel Spier já está querendo negociar mais essa “coleção de coincidências” que, aliás, sempre acontecem com a família Bolsonaro. Mas agora o Sérgio Moro e o Procurador Aras terão que se entender. Depois de quase duas semanas, Moro justificou a ausência do “Capitão Adriano” em sua lista dos mais procurados dizendo que as acusações contra ele não tinham alcance interestadual. Assim, não seria um criminoso nacional. Por isso ficou fora da lista. Mas Aras quer a federalização do caso Marielle porque o miliciano estava na Bahia e ali foi morto. Então, de apenas “estadual”, agora o miliciano já virou “federal” e, portanto, o inquérito da Marielle já pode ir para as mãos do Moro. Ou seja: se Augusto Aras, que é aliado de Bolsonaro, quer a federalização do inquérito porque o “Capitão Adriano” foi morto na Bahia, então ele admite que o miliciano ligado à família Bolsonaro tem relação com o caso Marielle. É uma simples questão de lógica.
Acredito que o doutor Samuel Spier, caso venha mesmo ao Brasil, não irá embora tão cedo. Porque certamente muitas coincidências ainda aparecerão para enriquecer a sua coleção…