“Cinco galinhas d’Angola e fez a terra
Pombos brancos criou o ar
Um camaleão dourado
Transformou em fogo
E caracóis do mar…” (Trecho do samba-enredo “A Criação do Mundo na Tradição Nagô”, do carnaval de 1978 da Beija-Flor).
Para um governo em que o Presidente da República nomeia um semi-analfabeto para ministro da Educação, um nazista declarado para a Secretaria de Cultura, um negro racista para a Fundação Palmares, um condenado por crime ambiental para o ministério do Meio Ambiente, uma fundamentalista que defende a segregação sexista-cromática e a abstinência sexual para o ministério dos Direitos Humanos, não chega a ser novidade que esse mesmo Presidente da República nomeie um defensor do criacionismo Para a presidência da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior). Benedito Guimarães Aguiar Neto é o novo presidente da Capes. Adepto do criacionismo, o novo presidente da Capes é defensor da chamada teoria do “design inteligente”, que nada mais é do que uma pretensa “fundamentação científica” para justificar a criação do mundo por uma divindade. A teoria do “design inteligente”, no entanto, é totalmente rechaçada pela comunidade científica internacional, que evidentemente não a considera ciência.
O criacionismo, como sabemos, tem como base a fé e qualquer pessoa tem o direito de acreditar em qualquer das milhares das teorias criacionistas que foram lançadas ao longo da história da humanidade. As teorias criacionistas vêm desde as mais antigas culturas (grega, hindu, chinesa, judaico-cristã, nagô…) Existiram tantas teorias criacionistas quantas foram as culturas da humanidade. Até que, em 1859, Charles Darwin publicou A Origem das Espécies, a obra que tornou-se a referência para a explicação científica da origem do homem.
A nomeação de um criacionista para um órgão como o Capes, responsável pela formação de professores e pelo financiamento de bolsas de mestrado e doutorado, colocou a comunidade científica brasileira e internacional muito preocupada com os rumos da ciência. Foi mais uma alarmante decisão do atual governo que expôs negativamente o nome do Brasil junto à comunidade científica. A revista “Science”, uma revista acadêmica de grande prestígio no mundo, afirmou que a nomeação de um criacionista para o Capes deixou os cientistas preocupados em relação à interferência da religião na política educacional. A revista cita ainda que Benedito Guimarães Aguiar Neto é a segunda pessoa do governo a defender abertamente o criacionismo, lembrando que a primeira é Damares Alves, a “ministra da goiabeira”, que já externou a sua proposta para que o criacionismo tome o espaço do evolucionismo nas escolas.
E sabe-se ainda que seria a interferência de uma determinada religião, de um determinado criacionismo, o que contraria totalmente o preceito constitucional, tanto da laicidade do Estado como do ensino. Porque, quando se fala de criacionismo, não existe apenas o criacionismo que é revelado na Bíblia. Poderia, por exemplo, tratar-se do criacionismo da tradição do povo nagô, que foi até apresentado no enredo da Beija-flor em 1978.
Parece que em pleno século XXI, teremos que voltar a tempos em que a ignorância das autoridades que possuem o poder, porém não possuem a razão (como dizia Galileu), terá que ser enfrentada cada vez mais. Depois do terraplanismo como dogma bolsonarista, agora teremos que enfrentar o criacionismo, que deve ser respeitado dentro de “cada caixa”, ou seja, em cada religião específica. Porém, sem jamais extrapolar a sua seara, que é a da fé. Há cientistas que acreditaram e ainda acreditam em Deus. Nada contra. Porém, na condição de cientistas, esses devem seguir um outro ensinamento de Galileu, que dizia: “Não me sinto obrigado a acreditar que o mesmo Deus que nos dotou de sentidos, razão e intelecto, pretenda que não os utilizemos.”