
A primeira pesquisa divulgada pelo Datafolha em 2020 mostra um aspecto do estrago que o primeiro ano de governo de extrema-direita de Bolsonaro vem fazendo ao país. De acordo com a pesquisa, caiu o número de pessoas que consideram a democracia como o melhor regime de governo. Ao mesmo tempo, aumentou o número daqueles que consideram indiferente o fato de o governo ser uma democracia ou uma ditadura.
Os números da pesquisa mostram que, para 62% dos entrevistados a democracia é sempre melhor do que qualquer outra forma de governo, enquanto que para 22% tanto faz que o governo seja democracia ou ditadura. A mesma pesquisa havia sido realizada pouco antes do primeiro turno das eleições de 2018, quando apontou que 69% consideravam a democracia melhor do que qualquer outra forma de governo, enquanto que para apenas 13% seria indiferente se o país fosse uma democracia ou uma ditadura. Ou seja, em pouco mais de um ano a democracia perdeu, segundo a pesquisa, 7% dos apoiadores. Enquanto isso, aumentou em 9% o número daqueles para quem tanto faz que o Brasil seja uma democracia ou ditadura. O aumento do desprezo pela democracia por parte dos entrevistados corresponde exatamente ao primeiro ano do governo fascista de Jair Bolsonaro. Entretanto, não é apenas uma mera coincidência.
Desde antes de chegar ao poder, Bolsonaro e seus seguidores sempre desdenharam e desrespeitaram a democracia e exaltaram a ditadura. Já no poder, Bolsonaro e seus familiares sempre desrespeitaram e agrediram a democracia. Exaltando a ditadura militar, ao mesmo tempo em que afirmava não ter havido tal ditadura no Brasil, Bolsonaro conspirava, tentando reinventar a história. Em flagrante desrespeito à democracia, ordenou que fosse comemorado o golpe militar de 1964. Bolsonaro ainda exaltou ditadores nacionais, desde Médici, o mais sanguinário ditador das casernas, até o chileno Pinochet, repudiado até pelo seu correligionário direitista que preside o Chile. Bolsonaro atacou a OAB, baluarte nas lutas pela democracia no Brasil. Bolsonaro e sua família atacaram o STF, criando uma onda fascista na qual até hoje bolsonaristas pedem que o Supremo seja fechado, com ou sem “cabo e soldado”. Bolsonaro atacou a imprensa, fazendo um consórcio com emissoras de TV, especialmente a Record e o SBT, e jornais que tornaram-se seus veículos oficiais e agredindo os que lhe criticam, ao melhor estilo fascista. Bolsonaro, seu filho e até o ministro da Economia ensaiaram trazer à tona a proposta de um “novo AI-5”, o instrumento que formatou juridicamente a ditadura, permitindo que o Congresso fosse fechado, mandatos fossem cassados e os direitos individuais fossem suprimidos, dentre outras arbitrariedades.
E por falar em Congresso, por incrível que possa parecer, apesar de termos um Congresso marcadamente conservador e fisiológico, foi o Congresso que, mesmo dominado pela direita e centro-direita, em alguns momentos teve que travar os rompantes ditatoriais de Bolsonaro. Quando Rodrigo Maia, do DEM, um partido de direita, tem que insurgir-se contra Bolsonaro em favor da democracia, então já temos uma dimensão da enrascada em que o povo meteu o país e do real risco que Bolsonaro representa para a democracia.
E o que dizer dos ataques de Bolsonaro à educação? Para manter um povo “emburrecido”, submisso, sem esclarecimentos e sem críticas, basta desprezar a educação. E isso também incentiva o desprezo pela democracia. A pesquisa mostra que para 85% dos entrevistados com nível superior, a democracia é sempre melhor. Esse número cai vertiginosamente para 48% entre aqueles que possuem apenas o ensino fundamental. Dá para entender, assim, os ataques bolsonaristas à educação e o desincentivo do governo à criação de universidades e acesso às mesmas. Pelo contrário, para o ministro olavista-bolsonarista da Educação, as universidades são locais de “balbúrdia e maconha”.
A ideia de um autogolpe jamais foi descartada por parte de Bolsonaro. Em seu primeiro ano de governo, ele já mostrou vontade e disposição para isso. O que assusta nessa pesquisa é o que se pode projetar para mais três anos de governo da extrema-direita. Porque, caso esse desapreço pela democracia seja crescente (outras pesquisas irão mostrar), Bolsonaro poderia pensar em ter respaldo para tomar medidas que imponham um regime autoritário. Os apoiadores da democracia ainda são a maioria, mas caíram em 7% e os que aceitariam uma eventual ditadura subiram em 9%. É um grande sinal de alerta logo depois do primeiro ano desse fatídico governo Bolsonaro.
Certa vez, lá pelo início dos anos 1990, o jornalista e escritor Carlos Eduardo Novaes, em um artigo criticando o comportamento eleitoral dos brasileiros afirmou, ironicamente, que o povo brasileiro “adorava uma ditadurazinha”. Pode ter sido um vaticínio? Espero que não. É possível que esse aumento dos apoiadores de um regime ditatorial represente apenas o enxerto da “bolha bolsonarista” aos que antes não estavam nem aí para a democracia. Mas isso a pesquisa não mostrou. Se atentarmos para o gráfico acima, veremos que ainda estamos diante de uma “boca de jacaré”. O desafio é para que a mesma não vire um “bico de pato”…