“Não vão nos calar! Nunca! É preciso estar atento e forte…” (Fábio Porchat, ator, em resposta ao atentado sofrido pela produtora do programa “Porta dos Fundos”).
O fundamentalismo e a intolerância mostraram suas garras na véspera do Natal, com o ataque terrorista-fascista praticado contra a produtora do programa “Porta dos Fundos”, localizado no bairro do Humaitá, Rio de Janeiro. Na madrugada do dia 24 dois artefatos explosivos, provavelmente coquetéis molotov, foram lançados contra o prédio da produtora.
Recentemente, o especial de Natal da produtora, levado ao ar pela Netflix, foi alvo de protestos por parte de grupos religiosos. O especial, intitulado “A Primeira Tentação de Cristo”, foi ao ar no dia 3 de dezembro e teria sido considerado ofensivo por grupos religiosos, visto que sugeria um relacionamento homossexual entre Jesus e um amigo, com interpretações de Gregório Duvivier e Fábio Porchat.
Não faz muito tempo, tivemos invasões de grupos fundamentalistas a museus, fechamento de exposições de arte, censura a apresentações musicais, censura na Ancine, recolhimento de livro da Bienal a mando do prefeito fundamentalista do Rio e o ataque à arte e aos artistas, de um modo geral, virou regra no atual governo. Evidentemente, as investigações sobre o caso estão sendo feitas, mas não está afastada a participação de grupos religiosos fundamentalistas e, consequentemente, intolerantes, no atentado contra a produtora. O lamentável episódio, guardando-se evidentemente as devidas proporções, faz lembrar a ação terrorista sofrida pela revista satírica francesa Charlie Hebdo, que publicava charges do profeta Maomé e que acabou tornando-se alvo de fundamentalistas muçulmanos.
Independentemente do lado religioso, Jesus Cristo foi uma figura histórica e grande parte de sua vida (aliás, a maior) não é descrita pelos Evangelhos e romancear a vida de personagens históricos com ingredientes pitorescos também faz parte da arte, embora essa não seja, por exemplo, a atividade da história e da religião. Pode-se até expressar uma indignação pela abordagem de temas religiosos, inclusive protestos formais. Mas, sem julgar o mérito da questão, a prática da violência é mais do que deplorável e é de bom alvitre lembrar que a violência já vem acontecendo em ataques a terreiros e centros espíritas, motivados exclusivamente por intolerância religiosa e praticados por “milícias em nome de Deus”. Acrescente-se que um pedido foi feito à Justiça para impedir a exibição do especial, o que naturalmente foi negado. Logo, independente de qualquer avaliação estética ou religiosa, a obra tinha todo aparato legal, em um país em que a Constituição, apesar das agressões que sofre, ainda é o que nos restou após a ascensão fascista ao poder.
Segundo nota da assessoria da produtora, o estrago só não foi maior devido à intervenção de um segurança, o que acabou evitando que todo prédio fosse incendiado. Sinais dos tempos. Tempos em que muitos dos que invocam “Deus” e “falam em nome Dele”, espumam de ódio, pregam a matança, a intolerância e a guerra. Pelo que sabemos de Jesus e seus ensinamentos, o perdão por uma suposta “ofensa” seria a melhor resposta. Jamais as bombas lançadas por aqueles que pregam o amor nos templos, mas disseminam o ódio e a violência nas ruas e nas redes sociais.