“Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos poderes; IV – os direitos e garantias individuais.” (Constituição da República Federativa do Brasil, artigo 60, parágrafo 4º)
“A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.” (Constituição da República Federativa do Brasil, artigo 5º, inciso XL).
Cláusulas pétreas são dispositivos constitucionais que não podem, em hipótese alguma, ser suprimidos. Ou seja, não podem ser objeto de PEC (Proposta de Emenda Constitucional). O artigo 60 da Constituição aponta quais os dispositivos que não poderão ser alterados. Por exemplo, não pode haver nenhuma PEC que proponha o fim da Federação e a transformação do Brasil em Estado unitário. Como também não pode haver nenhuma PEC que proponha o fim do voto direto, universal e secreto, bem como o fim da separação dos poderes. Portanto, o sistema federativo, o voto direto e a separação dos poderes, jamais poderão ser retirados da Constituição. Mas o artigo 60 também reza, claramente, que os direitos e garantias individuais não podem ser abolidos, pois também estão no rol das cláusulas pétreas. Os direitos e garantias individuais estão previstos no artigo 5º da Constituição. São 83 incisos que garantem ao cidadão direitos que não podem ser retirados, nem mesmo pelo Congresso Nacional.
Desde o dia 7 de novembro de 2019, que o Supremo Tribunal Federal, interpretando o texto constitucional, definiu inequivocamente um desses direitos e garantias individuais: o de que nenhum cidadão poderá ser preso até que esgotados todos os recursos e a sentença condenatória esteja transitada em julgado. Isso não inclui a prisão em flagrante, preventiva ou provisória por exemplo. Assim, de acordo com decisão do STF, um dos direitos e garantias individuais é o de não poder ser preso até que esgotadas todas as instâncias e a sentença condenatória transite em julgado.
Desde ontem está sendo noticiado que o Senado Federal quer iniciar a tramitação de uma PEC que estabeleça a prisão a partir da condenação em segunda instância. Claro, tudo por causa do Lula. A iniciativa parte de um grupo de senadores que emparedaram o STF com um manifesto pró-prisão em segunda instância pouco antes do julgamento que poderia beneficiar o Lula. Mas, na verdade, Lula não foi beneficiado. Ele foi prejudicado durante os 580 dias em que esteve ilegalmente preso, a partir de uma sentença sem provas e decretada por um juiz ativista político e parcial, que tirou-o da eleição para depois tornar-se ministro do candidato vencedor. Ainda assim, não deveria ser preso, visto que, se a sentença condenatória não havia transitado em julgado. Então, o artigo 5º estava sendo desrespeitado. O próprio STF havia permitido a prisão em segunda instância, contrariando um texto que não exige a menor hermenêutica. Agora, a partir da decisão do último dia 7, o direito constitucional de alguém só poder ser preso após o trânsito em julgado foi resgatado. E mais: pelo artigo 60, ele é uma cláusula pétrea.
Assim, a proposta que alguns senadores pretendem levar adiante é, em si mesma, inconstitucional, por violar o artigo 60 da Constituição. Se os direitos e garantias individuais não podem ser abolidos, e a prisão apenas após o trânsito em julgado, conforme decidiu o STF, é um desses direitos, então qualquer emenda que proponha a prisão em segunda instância é flagrantemente inconstitucional e deverá ser barrada assim que chegar à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).
O que deve ficar claro é que, se até o dia 7 de novembro, o texto constitucional presente no artigo 5º – “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” – era interpretado pela Suprema Corte de um modo, agora é de outro bem claro: só haverá prisão após o trânsito em julgado. Certamente, sem se discutir o mérito, caso uma emenda constitucional estabelecendo a segunda instância como o momento para a prisão for aprovada, choveriam no STF ações de inconstitucionalidade. Porém, suponhamos, a título de raciocínio, que essa emenda seja aprovada. Como seus articuladores só pensam no Lula, então vamos tomá-lo como exemplo. O que aconteceria? Ele poderia voltar à prisão? A resposta quem dá não somos nós e sim a própria Constituição: Não! Isso porque a lei penal seria alterada e o artigo 5º é claro ao dizer que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.” Assim, ainda que a proposta de prisão em segunda instância fosse aprovada por uma PEC, esta alteração não poderia retroagir para prejudicar o Lula. Para isso, eles teriam que golpear outro direito individual previsto na Constituição e com o aval do próprio STF, que arranjou para si próprio uma grande encrenca quando mudou a interpretação do que os legisladores de 1988 pretendiam ao estabelecer a prisão apenas após o trânsito em julgado. Assim, não há dúvida de que começa a se desenhar um ardil para agredir os direitos individuais, o que afetaria não só o Lula. Portanto, é hora de conclamar: Defendamos a Constituição!