Precisou o Supremo Tribunal Federal decidir que o que está claramente escrito no artigo 5º da Constituição é constitucional; precisou o Supremo Tribunal Federal não se curvar a ameaças de generais saudosos e de babacas com simbólicos soldados e cabos de estimação; precisou o Supremo Tribunal Federal não se curvar ao emparedamento de vários senadores, muitos dos quais, não faz muito tempo, blindaram o Aécio Neves; precisou o Supremo Tribunal Federal chamar para si uma simplória realidade: a de que ainda resta a Constituição e o que está nela escrito deve ser declarado constitucional.
Hoje, pouco antes das 18 horas, Lula deixava a prisão na sede da Polícia Federal em Curitiba, beneficiado pelo que está escrito na Constituição Federal desde o dia 5 de outubro de 1988, mas que somente ontem foi reconhecido pela Suprema Corte como um direito e garantia individual. Quem escreveu a Constituição não foram os juízes, mas sim um Congresso com legítimo poder constituinte. As garantias previstas no artigo 5º da Carta Magna foram as mais amplas possíveis e não podemos deixar de esquecer o contexto em que a atual Constituição foi redigida: o Brasil saía de um regime de exceção, marcado pelo desrespeito aos mais elementares direitos. Um regime de exceção marcado pelo AI-5. Um regime de exceção em que, no ano de 1989, data da primeira eleição direta para Presidente pós-ditadura militar, todo brasileiro que tivesse até 46 anos de idade, jamais tinha votado para Presidente da República. E, não podemos deixar de mencionar: um regime de exceção em que pessoas, só por pensarem diferente do governo, eram presas sequer sem mandado judicial, sendo várias delas sumariamente assassinadas.
É evidente que, para o legislador constituinte de 1988, a Lei Magna que seria oferecida ao país deveria dar o máximo de garantias para que esse passado deprimente de nossa história não se repetisse. Direitos que estivessem na Constituição, e não em outra lei, exatamente para que não fossem tão facilmente suprimidos. Lembremos que toda Constituição que sucedeu regimes autocráticos ou ditatoriais sempre foram marcadas pelo seu maior liberalismo e ampliação do escopo de direitos e garantias. Basta ver os exemplos das Constituições de 1946 (que sucedeu a ditadura do Estado Novo) e a atual (que sucedeu a ditadura militar).
A liberdade de Lula não foi apenas um vitória (sofrida, sob ameaças, sob pressão) da Constituição. A libertação do ex-Presidente marcará um novo ciclo na vida política brasileira, com uma maior participação da oposição ao governo Bolsonaro a partir daquela que, hoje, é a única liderança da esquerda capaz de virar o jogo e evitar que o Brasil entre de vez no túnel do fascismo.
Há pouco mais de um ano, quando o consórcio militar-fundamentalista-religioso elegia Bolsonaro, dizíamos que ainda restava-nos a Constituição, para dizermos simplesmente que Bolsonaro não poderia fazer o que bem quisesse. Bem que ele tentou. Mas foi desqualificado até por um Congresso conservador. Foi desqualificado por veículos de imprensa. Foi desqualificado até por seus pares e pelo partido de esquina que alugou. Não faltaram vômitos de saudosistas doentios, falando de AI-5, cabo e soldado no STF e repressão de supostos movimentos que ainda nem começaram.
Hoje, Lula está livre. E a mensagem, que não é subliminar, foi bem clara: o país tem uma Constituição que, das sete de nossa história, já é a segunda mais longeva. E a Constituição, escrita por quem de direito (os constituintes de 1988), foi interpretada por quem de direito (ministros do STF). Porque general dá ordem em quartel. Deputados e senadores legislam. Juízes julgam e interpretam a lei. E o Presidente da República, que tome vergonha na cara e comece a governar o país, porque agora a oposição vai estar muito mais forte e mobilizada porque Lula está livre!