“Temos inimigos dentro e fora do Brasil. Os de dentro são os mais terríveis.” (Jair Bolsonaro, em 11 de outubro de 2019, ressuscitando a antiga doutrina de segurança nacional dos tempos da ditadura).
Bolsonaro, a eterna fábrica de gerar crises e plantar polêmicas visando agradar a seus seguidores e manter o país em um permanente clima de campanha eleitoral, decididamente não governa e está cada vez mais isolado. A última semana foi ainda mais emblemática em relação ao seu isolamento. Depois de já ter brigado com a imprensa, com artistas, com a OAB, com professores, com cientistas e até com apoiadores, agora foi a vez de seu próprio partido. Ou melhor, do partido que ele alugou. A crise plantada por ele próprio no PSL já mostra a divisão daqueles que se uniram para eleger Bolsonaro e a dissidência bolsonarista já vem tomando outros rumos políticos dentro de outros partidos de direita. E, para completar, o seu ídolo Trump, diante de quem ele sempre rastejou e mostrou uma subserviência ancilar, deu-lhe uma sonora bofetada, ao preferir a entrada da Argentina no “grã-fino” grupo de países que é a OCDE, escanteando o Brasil e dando uma rotunda “banana” ao seu bajulador.
Diante de tudo isso, Bolsonaro resolve requentar a velha “doutrina de segurança nacional”, com aquele princípio básico de que os maiores inimigos do Brasil estão aqui dentro e não lá fora. Vejam bem: Trump faz o que fez e Bolsonaro, no dia seguinte, vem dizer que os inimigos do Brasil estão aqui dentro. Talvez ele esqueça, por ora e estrategicamente, o Maduro, a Venezuela, Cuba, Coreia do Norte, Emmanuel Macron, Michelle Bachelet. Porque, nos últimos tempos, talvez ninguém tenha dado a prova de que é mais inimigo do Brasil do que os EUA que ele tanto bajula. Então, vamos requentar a velha doutrina de segurança nacional ensinada na ESG e que valeu como pretexto para colocar em ação os órgãos repressivos durante a ditadura militar que ele sempre defendeu. Enquanto isso, Trump acaba de esboçar um acordo com a China comunista que certamente porá fim à guerra comercial entre as duas potências. E Bolsonaro continuará rosnando contra a China e, seguindo o seu “Rasputin de Richmond”, mantendo seu anti-globalismo radical. “Obrigado, otário!”, dirá Trump.
Então, chegou a hora de girar o carrossel, tirar de foco a humilhação pela qual passou diante da “banana” que levou do Trump e apontar os novos inimigos: eles estão aqui. Embora existam os inimigos estrangeiros, a ameaça interna é a mais “terrível”, segundo as palavras do Presidente. Os partidos de oposição, os professores, os cientistas, os artistas, a OAB, as entidades defensoras dos direitos humanos, a imprensa, os movimentos sociais, as ONGs, os ambientalistas, o Chico Buarque, o cacique Raoni, as universidades… Esses são os verdadeiros inimigos do país. Infelizmente para Bolsonaro e felizmente para a democracia, as instituições que ele e seus seguidores insistem em atacar vão resistindo e a velha doutrina de segurança nacional que ele aprendeu e que foi uma das marcas registradas nos tempos da repressão não será tão facilmente aplicada. Querer, no atual contexto de crises geradas por ele próprio, como a última com seu próprio partido e a humilhação que sofreu do Trump, atribuir seu fracasso como Presidente a “inimigos internos”, segundo ele os mais “terríveis”, faz de Bolsonaro um simulacro do Hitler. Os bodes expiatórios já foram “eleitos” por ele antes mesmo de sua própria eleição. O que Bolsonaro quer com mais essa estúpida declaração é criar uma nova onda de ódio contra quem ele chama de “anti-patriotas”, e que seriam os “inimigos internos”, os “subversivos” e, daí, quem sabe, iniciar uma “caça às bruxas”. E agora vai sobrar até para o Luciano Bivar e o Alexandre Frota. Nunca o “jacobinismo bolsonarista” precisou ser tão combatido. Mas, ao que parece, ele já vem, há tempos, em um processo de auto-erosão. E, nesse processo de autofagia, quem sabe Bolsonaro, devorando a si mesmo, acabe fazendo a única coisa boa que poderia fazer pelo Brasil?