O recrudescimento explícito de uma agenda moralista, religiosa e de ufanismo patriótico, vai muito além do que as aparências podem nos levar a pensar. O que há de comum entre Bolsonaro e Crivella, além de serem conservadores que apelam para a religiosidade, a “família” e que auto-proclamam-se arautos da “moral” e dos “bons costumes”? Resposta: ambos, além de absolutamente incompetentes para os cargos que foram eleitos, estão em vertiginosa queda de popularidade segundo as últimas pesquisas. Os desastres do governo Bolsonaro no Brasil e do governo Crivella na cidade do Rio de Janeiro explicam a perda de apoio até por quem os apoiavam recentemente. No caso de Bolsonaro, a pesquisa Datafolha mostrou que ele é o Presidente com a pior avaliação no primeiro ano de mandato desde Collor, em 1990. E, dentro de seu governo, perde em popularidade até para ministros, inclusive para o “piroambientalista” Ricardo Salles. Já Crivella, flertou esse ano com o impeachment e já é tido como um dos piores prefeitos da história do Rio de Janeiro. Pesquisas apontam que o bispo da Universal detém o maior índice de rejeição de todos os tempos na prefeitura carioca.
Mas há um outro aspecto comum entre Bolsonaro e Crivella: ambos são candidatos à reeleição e já veem, pelo retrovisor, o incômodo de eventuais adversários (alguns, antigos aliados), que farão, dos desastres de suas administrações, os caminhos para tomar-lhes os respectivos lugares. Diante dessa situação, e com governos altamente repudiados, Bolsonaro e Crivella partem para a seguinte estratégia: trazer de volta um clima de campanha eleitoral (que no caso de Bolsonaro é permanente) e a retomada de discursos e práticas para inflamar, trazer para as ruas e satisfazer a fatia de seus eleitores mais fiéis. Então, inebriados pelo discurso religioso, patriótico, do verde e amarelo, da bandeira que jamais será vermelha, da moral, da família, dos bons costumes, do combate à pornografia, lá vamos nós tentar mudar a onda.
Primeiro, o Bolsonaro: ao invocar o povo a vestir o verde e amarelo no dia da Independência, ele ressuscita a segregação dos “inimigos” da Pátria. Ao mesmo tempo, compra briga com outros chefes de Estado, visando maior apoio por, aparentemente, estar defendendo os interesses nacionais. Dizer que o perigo vem de fora é sempre uma estratégia para capitalizar uma união em torno de qualquer governo. E, no dia da Independência, cercar-se do dono da Igreja Universal (uma fábrica de votos) e desfilar abraçado com Sérgio Moro, o ministro que tem quase o dobro de sua popularidade, pode muito bem ajudar a mudar o jogo a seu favor.
Já no caso de Crivella, apelar para a agenda de costumes e em defesa da “família” (que “família”?) é um bom caminho para manter em alerta o seu eleitorado tradicional e que aceita até morrer em um hospital municipal, desde que seja em nome de “Deus” e da “família”. Crivella não tem nada de bobo. Ele sabia que a censura na Bienal era um ato ilegal. Primeiro por ser inconstitucional. Segundo, por não ter havido qualquer ordem judicial para busca e apreensão. E ele também sabia que haveria uma repercussão e uma reação estrondosas ao seu ato obscurantista. Mas, ao mesmo tempo, despertaria suas hostes religiosas e conservadoras que aprovariam seu ato e viriam em sua defesa.
Então, ao invés de debatermos e tentarmos resolver as grandes questões nacionais ou da cidade, melhor requentar a diferença entre patriotas X “inimigos da Pátria”; defensores da família X “imorais”; pudicos X “depravados”. Nada melhor para empanar a incompetência, obtusidade e impopularidade de ambos. Nessa, o capitão indisciplinado e o bispo estão juntos.