O desfecho do sequestro do ônibus da empresa Galo Branco na Ponte Rio-Niterói, que parou a cidade e o Estado do Rio de Janeiro no dia de ontem, não pode servir de justificativa para que o governador Wilson Witzel leve adiante a sua política de bombardeio às comunidades pobres do Estado. A comemoração do governador, ao chegar ao local logo após a morte do sequestrador Willian Augusto da Silva, além de ser totalmente fora de propósito e avessa à liturgia que se exige de um governador, deu a parecer que a equipe da “necrocracia” marcou um gol. Isso, uma semana após a morte de seis jovens inocentes em operações que, segundo especialistas, foram absolutamente desastradas.
Ontem, porém, foi diferente. A lei permite, em casos extremos, o uso de atiradores de elite. O Código Penal, em seu artigo 25, trata de legítima defesa própria ou de terceiros. Mas não podemos, em sã consciência, imaginar o uso desse recurso num ambiente em que haja pessoas se deslocando para o trabalho ou crianças indo para a escola. Aí é a política temerária do “efeito colateral”, que faz as mesmas vítimas de sempre. Ontem, além de estarmos em uma via onde não há deslocamento de pessoas, houve o isolamento de uma área, estabelecendo-se um perímetro de segurança. Além disso, houve uma ação integrada das polícias militar e rodoviária, juntamente com o Corpo de Bombeiros. Tínhamos profissionais qualificados, apesar de pouco remunerados. E, além de tudo isso, tínhamos um sequestrador que “debutava” no crime. Parece que o sequestrador nem mesmo estagiário do crime era. Porém, 37 vidas de inocentes corriam risco, visto que a psicopatia do sequestrador era nítida. O comandante do Bope, coronel Maurílio Nunes, foi inclusive feliz ao falar sobre o sucesso da operação quando disse que foi um êxito de 99%. O 1% a menos, segundo o comandante, deveu-se à morte do sequestrador. A seriedade, o profissionalismo e a liturgia de um agente público que comanda um órgão de segurança tão importante, que sobrou no coronel Maurílio Nunes, infelizmente faltou no governador que, a exemplo do Presidente da República, continua permanentemente em campanha eleitoral e em uma demagogia populista extremamente rasteira.
O oportunismo do governador foi tanto que ele já afirmou que irá provocar o STF em relação à interpretação do artigo 25 do Código Penal. O objetivo de Witzel é oficializar a sua “política do abate”. Witzel, assim, inflama seus seguidores (que são os mesmos de Bolsonaro) e, ao mesmo tempo, expõe os policiais. Porque, mesmo em caso de legítima defesa, os policiais terão, como qualquer pessoa, que responder a processo criminal e enfrentar o Judiciário. Assim, vai uma sugestão ao governador: por que ele, ao oficializar a sua tal “política do abate”, mudando a interpretação do artigo 25 do Código Penal, também não recomenda a inclusão como responsável pela legítima defesa a autoridade pública que deu a ordem para o abate, no caso, ele próprio na condição de governador? Assim, Witzel também responderia na Justiça e daria suas próprias explicações aos ex-colegas de toga para se defender. Porque é muito fácil e cômodo estender o conceito de legítima defesa, quando aqueles que defendem essa elasticidade da lei apenas com fins eleitoreiros colherão eventuais louros, votos e afagos dos séquitos e, em sua zona de conforto e no no poder, permanecerão eternamente inimputáveis.