A AMEAÇA DO SURREAL

imagem final“Isso aí é um autoritarismo em nome da proteção de autoridades. O Ministério da Justiça está atuando como investigador, como acusador e como próprio juiz ao mandar destruir provas, se é que isso é verdade. Eu não estou acreditando ainda… Estamos vivendo num país surreal. Antes o STF acusava e julgava, agora eu estou vendo que o Ministério da Justiça esta fazendo isso também. As instituições brasileiras estão altamente vulneráveis e por atos arbitrários, seja quem for os que praticam. É estarrecedor.” (Gilson Dipp, ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça, em entrevista à Folha, em 26 de julho de 2019).

“Malandro, para evitar um problema desse, casa com outro malandro ou adota criança no Brasil. O Glenn não vai embora, pode ficar tranquilo. Talvez pegue uma cana aqui no Brasil, não vai pegar lá fora.” (Jair Bolsonaro, em 27 de julho de 2019, ameaçando o jornalista Glenn Greenwald de prisão).

A fala do ministro aposentado do STJ, Gilson Dipp, em que denuncia o que poderíamos chamar de “autoritarismo policialesco”, praticado pelo próprio governo para defender autoridades, torna-se bastante emblemática no atual momento, visto que parte de alguém sem qualquer engajamento político-partidário. Quando um juiz de tribunal superior, aposentado, que está atentamente acompanhando os caminhos turvos que a Justiça e a democracia brasileira estão tomando e que chega a falar que “estamos vivendo em um país surreal”, ele não está falando como militante político ou partidário. E o recado foi claramente dado a Sérgio Moro. Moro que, como “juiz”, foi assistente de acusação, mandou trocar promotores, e ainda orientou o Ministério Público a não ouvir Eduardo Cunha, aquele de quem Moro, apesar de todas as provas, absolveu sua mulher. Agora, como ministro da Justiça, cargo do executivo, Moro também quer acumular as funções de investigador e acusador. Isso, além de também ser “vítima”. Se ele é vítima, por que quer destruir provas? O “surreal” ao qual o ex-ministro Gilson Dipp se refere em relação a Moro pode ser percebido pelo fato de que, quando “juiz”, ele não foi juiz. E agora, como “ministro da Justiça”, ele não está sendo ministro da Justiça.

Em primeiro lugar, Moro é parte interessada nas investigações. Se, por um lado, ele foi vítima de hackers, por outro os conteúdo vazados, que em tempos pretéritos ele sempre disse ser o mais importante, são altamente comprometedores e mostram que ele cometeu sim vários crimes. Portanto, Moro deveria deixar o governo enquanto perdurassem as investigações das quais ele é parte interessada. Mas preferiu ficar. Pior: quer interferir na Polícia Federal, ser investigador e destruidor de provas. Isso é surreal!

Mais estarrecedor ainda é a ameaça de Bolsonaro ao jornalista Glenn Greenwald. Bolsonaro tem várias frustrações. Foi um militar indisciplinado, preso e teve seu projeto de lançar bombas em quartéis malogrado. Mas ele também tem outras frustrações. De inteligência tacanha e baixo nível cultural, odeia intelectuais, artistas, professores, jornalistas, cientistas… Mas talvez sua maior frustração ainda seja a de não ser um ditador. Ele bem que faz de tudo para isso. Mas até séquitos da direita que o apoiaram estão repelindo as suas barbaridades. Perguntem ao “tonto” Kim Kataguiri. Perguntem à “pós-doutora” Janaína Paschoal. Perguntem ao João Doria. Perguntem ao Lobão. Perguntem aos generais ofendidos pelo seu “astrólogo-guru” e pelo seu filho tuiteiro. E, em sua pulsão ditatorial, Bolsonaro já “decretou” a prisão do jornalista Glenn, quando disse, sobre o homem que desmascarou Moro e Cia: “Talvez pegue uma cana aqui no Brasil, não vai pegar lá fora.” Se Moro acumulava as funções de juiz, acusador e orientador do Ministério Público, então Bolsonaro, em seu sonho de ser ditador, já “virou” até juiz e disse que o jornalista do The Intercept “vai pegar uma cana aqui”. E, em mais uma de suas deprimentes declarações, Bolsonaro não deixou de demonstrar a sua doentia homofobia. Gleen é casado e ponto. Se é com homem ou mulher, o problema é dele e isso é irrelevante para o seu direito de, como estrangeiro, permanecer no Brasil.

Como que, sem o jornalista Glenn Greenwald responder a nenhum processo e sem nenhuma acusação formalizada, Bolsonaro pode ameaçá-lo de prisão? E ainda que isso ocorresse, quem deve dizer se ele pode ou não ser preso é o Judiciário. A ameça de Bolsonaro é um sinal de alerta. E não foi uma ameaça velada e restrita ao jornalista Glenn, porque toda a imprensa foi ameaçada pelo “presidente que quer ser juiz e ditador”. E a resposta dos órgãos em defesa da liberdade de imprensa vieram logo. A ABI e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo já se manifestaram repelindo mais uma fala de Bolsonaro agressiva à democracia e à liberdade de imprensa. A Constituição de 1988, que Glenn Greenwald conhece muito mais do que o próprio Bolsonaro, é o diploma legal que todos devem invocar, nesse momento, como escudo para a defesa da democracia e da liberdade de expressão. E, quando até O Globo abraça essa causa, então essa adesão, por si só, nos dá a ideia de quão grave é a ameaça em que o surreal pode sair da imaginação do “ex-juiz que pensava ser o super-homem” e do “capitão que quer ser ditador”. Perigo! O surreal que nos ameaça pode tornar-se real!

 

 

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