NASCEU PARA QUÊ?

abacaxi

“Não nasci para ser Presidente, e sim militar.” (Jair Bolsonaro, em 5 de abril de 2019).

“Imagina ficar o tempo todo com esse abacaxi…” (Jair Bolsonaro, em 3 de abril de 2019, referindo-se a governar o Brasil).

A afirmação é auto-explicativa: “Não nasci para ser Presidente.” E não se trata de “colheita de provas” como diz e faz o ex-juiz e hoje ministro “herói dos coxinhas”. Porque, ao contrário do “marreco de Curitiba”, apenas coletamos uma afirmação de Bolsonaro, em um discurso com dezenas de testemunhas. Portanto, trata-se mesmo de uma confissão de despreparo (técnico, intelectual e político) para o cargo ao qual chegou depois de decantar e destilar tanto ódio. Os “cem dias de governo” se aproximam e o que tivemos? Escândalos de operações financeiras suspeitas registradas pelo COAF envolvendo Bolsonaro e sua família; escândalos de candidaturas laranjas envolvendo o PSL; ingerência direta dos filhos no governo, onde um (Carlos) chegou a derrubar um ministro e outro (Eduardo) já responde de fato pelo Ministério das Relações Exteriores; declarações estapafúrdias de Ministros que, além de incompetentíssimos, deveriam zelar pelo bom senso e pela liturgia do cargo que ocupam ou fingem ocupar (Damares, Ernesto Araújo e Vélez são insuperáveis em termos de expelir asneiras); ligações muito próximas da família presidencial com quadrilhas de milicianos; política externa temerária, que pode colocar o Brasil na rota do terrorismo, com direito ao filho do Presidente praticamente chamar o Hamas para a porrada; subserviência ancilar ao governo Trump; postagens pornográficas de “parafilias urinárias” no twitter presidencial; queda do “mito Moro”, que negou tudo o que dizia quando era juiz e rendeu-se aos políticos em seu (será seu ou do Alexandre de Moraes?) projeto anticrime; incompetência total na articulação com o Congresso; homenagens e exaltações a torturadores como Ustra; comemoração provocativa e absolutamente desnecessária do golpe e da ditadura militar, que deixou até mesmo altos oficiais das Forças Armadas furiosos. E a brincadeira de “Forte Apache” do menino que um dia foi expulso do Exército vai chegando aos cem dias…

Sinceramente, não sei para que o Bolsonaro nasceu. Talvez nem ele. Porque para Presidente da República ele mesmo já disse que não foi. E, certamente, para militar também não. Porque se ele tivesse nascido para ser militar, não teria sido punido por indisciplinas cometidas no Exército Brasileiro. Porque se tivesse nascido para ser militar, não teria dito, como disse em outra oportunidade, que, por ser militar, “sua especialidade é matar”, porque “matar” não é a especialidade de nenhum bom militar (ou será que ele ali confessou ser mesmo miliciano?). Porque se tivesse nascido para ser militar, não usaria do expediente da covardia e do terrorismo, como tentar explodir uma adutora, pondo fim a uma “carreira militar” com apenas 33 anos de idade. Porque se tivesse nascido para ser militar não teria, enfim, sido expulso do Exército. Até o Geisel, um de seus ditadores de estimação o chamou, em um livro, de “mau militar”.

Agora, antes mesmo dos “cem dias” Bolsonaro, aquele mesmo que um dia se disse “patriota”, chama o nosso próprio país, o país que ele deveria governar, mas que efetivamente ainda não assumiu, de “abacaxi”. Sinceramente, não sei para que Bolsonaro nasceu. E, mais sinceramente ainda, não tenho o mínimo interesse em saber. Ele diz que não nasceu para ser Presidente. Eu e o próprio ditador Geisel concordamos que ele também não nasceu para ser militar. Certamente ele vai ser daqueles que, como qualquer um de nós, nasceu para um dia morrer. Porque todos nós temos que morrer. Só que alguns serão lembrados para sempre pela luta, pela coragem, pelo ideário que transcende o próprio território nacional. Alguns, por exemplo, serão nomes de rua em Paris, como Marielle Franco. Outros figurarão apenas em uma lista de ex-Presidentes. Uns terão seus nomes eternizados em sambas-enredo de escolas campeãs do maior carnaval do Brasil. Outros, ridicularizados em blocos carnavalescos e atraídos por homem mijando em homem. Azar deles. Se ainda existisse aquela Beija-Flor dos anos 1970, em plena ditadura, que exaltava governos comemorados por eles com enredos como “O Grande Decênio” e “Brasil no Ano 2000”, talvez eles tivessem alguma chance. Mas Joãosinho Trinta já não está mais entre nós. E a Beija-Flor há tempos que não precisa mais puxar o saco de ditadores para ganhar o carnaval.

 

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