“Governo não manda no ENEM.” (Maria Inês Fini, Presidente do INEP, respondendo à ameaça de Bolsonaro de interferir na elaboração das provas em 2019).
O INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), órgão responsável pela elaboração das provas do ENEM, é uma autarquia ligada ao Ministério da Educação. Como toda autarquia, o INEP é um órgão autônomo. É o INEP que elabora as provas do Exame Nacional do ensino Médio, que dá acesso a mais de 500 universidades públicas e privadas do Brasil. Agora, a estranha obsessão de Bolsonaro por assuntos relacionados ao mundo gay levou o Presidente eleito a afirmar que, a partir do próximo ano, fará “vistoria nas provas”, algo como uma censura prévia. Tudo por causa da questão número 37 da prova de Linguagens, códigos e suas tecnologias, onde o estudante teria que saber o que significa um dialeto. E, para tal, foi dado como exemplo um pequeno texto com palavras de um dialeto secreto utilizado por gays e travestis. Poderia ser um outro conjunto de palavras. A questão apenas pedia ao candidato para saber o que o patrimônio linguístico deve possuir para ser considerado um dialeto. Ninguém precisava, em hipótese alguma, conhecer palavras secretas usadas por gays e travestis para acertar a questão. E algumas palavras e expressões, inclusive, são usadas com o mesmo significado até fora do universo gay. É o caso de “Babado”, que significa “discussão ou fofoca”. E também “Dar a Elza”, que significa “roubar”. Não era preciso, entretanto, saber o significado, para gays e travestis, de nenhuma dessas palavras e o texto foi inserido na questão apenas a título ilustrativo.
Bolsonaro, entretanto, dando vazão a seus instintos autoritários, afirmou que irá vistoriar as provas do próximo ano. Tudo porque, segundo ele, as provas possuem “ideologia e politicagem.” Assustador é pensarmos que tudo o que Bolsonaro fala é sobre uma prova elaborada ainda no governo Temer. Um governo golpista, impopular, corrupto e onde muitos de seus pares até apoiam Bolsonaro. O ENEM foi criado no governo FHC e, até então, nenhum Presidente da República havia se pronucniado sobre o exame no sentido de impor uma censura e ameaçar a autonomia de um órgão técnico responsável pela elaboração das provas. E, como sempre, a causa de tudo é o estranho incômodo de Bolsonaro em relação a gays e travestis.
Assim como assuntos relacionados a gays e travestis tanto incomodam Bolsonaro, há outros que nos incomodam muitos mais. Mais do que mil elefantes. Como saber que seremos governados por uma pessoa que tem um torturador como herói e que já afirmou ser defensor da tortura. Sugiro então que, na prova de 2019, apareçam questões que falem sobre as barbaridades do regime defendido por Bolsonaro. Saber o significado de um “outro dialeto” faria bem para os jovens que não viveram um tempo de trevas defendido pelo capitão reformado. “Pau-de-arara”, “pimentinha”, “cadeira do dragão”, “geladeira”, dentre outras palavras que hoje não são mais secretas (embora muitos jovens não as conheçam) seriam alguns exemplos. Mas que pertencem a um outro “dialeto” que Bolsonaro exalta e conhece muito bem. Embora tudo isso nos incomode, acharia interessante que esse outro “dialeto” fosse abordado em 2019. Sem “treta” nem “babado”…