Já faz tempo que, no Brasil, os rituais de passagem de um ano para outro deixaram de ser uma celebração de família para se transformarem em uma manifestação de massa. Mas o evento cresceu tanto que, hoje, Réveillon é sinônimo de investimento, atração turística e, também, faz parte da grade de programação da TV, especialmente da Globo. Houve um tempo em que a TV ainda engatinhava no Brasil. Isso, durante os anos 1950, quando, no Rio de Janeiro, as atrações da virada do ano eram as apresentações de Emilinha Borba e outras “cantoras do rádio” no Largo da Carioca.
A tradição de passar a virada do ano nas praias teve origem com a comunidade espírita. Os espíritas, trajando roupas brancas, ocupavam as areias e realizavam seus cultos lançando ao mar as oferendas a Iemanjá. Passar os últimos momentos do ano na praia vestido de branco foi uma apropriação do costume dos espíritas. A utilização de fogos para celebrar o Ano Novo já existia, mas não com show de pirotecnia. Era só barulho mesmo.
Nos anos 1980 o Hotel Meridién, em Copacabana, lançou uma tradição que pode ser considerada a origem do que hoje acontece em Copacabana: a famosa “cascata”, os fogos de artifício que cobria os quase 40 andares do hotel e que era visível em todos os pontos da praia. A partir de então, outros hotéis seguiram o exemplo do Meridién e os shows pirotécnicos na praia começaram a atrair o público. Nessa época, o principal evento televisivo do Ano Novo não era a queima de fogos em Copacabana e sim a Procissão de Barcos de Angra dos Reis. José Bonifácio, o Boni, diretor da Rede Globo, foi o idealizador da procissão, que levava imagens de Nossa Senhora pelo mar de Angra. Seria uma forma de se contrapor às manifestações dos espíritas? Sim, porque a praia era dos espíritas. Agora, Iemanjá teria uma companhia no mar: Nossa Senhora. Tudo na paz. Para não entrar em conflito com a Igreja, a procissão de Angra dos Reis deixou de levar imagens católicas e tornou-se uma festa pagã, com decoração, animação, colorido e o evento veio a ser transmitido ao vivo pela Globo. Até hoje essa procissão existe, mas ficou esvaziada. Isso porque a Globo passou a transmitir os fogos de Copacabana. Mas havia um “problema”: a Corrida de São Silvestre. Sim, porque, tradicionalmente, a largada da tradicional corrida paulista acontecia às 23 horas e 30 minutos do dia 31 de dezembro. E a Globo também passou a transmiti-la. Os corredores cruzavam a linha de chegada por volta da meia-noite e aí estava o grande barato: a corrida só terminava no Ano Novo.
Enquanto isso, cada vez mais público ia à Copacabana. Para evitar um fluxo gigantesco de todos saindo na mesma hora, veio a ideia dos shows, para “segurar” no local uma boa parte de pessoas. O primeiro deles foi em 1992, com Jorge Ben e Tim Maia.
A partir de 1989, a Corrida de São Silvestre passou a ser durante o dia. Segundo informações oficiais, a mudança de horário foi uma recomendação da Federação Internacional de Atletismo. Mas como essa mudança caiu como uma luva para a Rede Globo! Sim, porque com o antigo horário de 11 e meia da noite, não daria para transmitir a corrida e a queima de fogos ao mesmo tempo. Teria sido uma mera coincidência? Por que tudo sempre dá certo para a Globo? É Boni, você é mesmo o cara…
Hoje , os espiritas são obrigados a fazer suas obrigações na véspera do dia trinta e um . Não tem mais espaço para eles na areia, sob alegação de que atrapalham o show. Logo eles, que deram origem a tudo.
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